Dispensando as verdades fáceis.

Todos aqueles clichês... as mentiras bem ditas já não enganam mais. O que acontecia merecia ter um fim digno de uma grande história, daquelas que são acompanhadas diariamente pelo público fervoroso à espera de mais uma cena de beijo. Mas os melhores roteiros não terminam com "Foram felizes para sempre"... apenas mais um clichê.

Sobrou cansaço e hiperventilação. Taquicardia e hipotenção...

"Não se pode encher uma taça que já está cheia".*

Não existe mais espaço para o encantamento... e quanto ao espaço destinado ao fascínio... esse acabou, fazendo transbordar as horas que não passam, as decepções que se acumulam e o desejo fútil de querer por querer.

Knock



Quando tudo acaba no amanhecer...


Quando tudo acaba sem ao menos ter começado.

Quando os segundos do depois se tornam tarde demais.

- Saia. E ao sair apague as luzes, mas deixe a porta aberta.

Estava pendurado na maçaneta da porta:
"Entre sem bater".



Prognóstico


- É que eu ando contando mentiras deslavadas sobre isso tudo. Sobre o que eu sinto e sobre o que eu vejo. Não sinto nada, e por mais que eu tente ver tudo parece só vazio.

- Tudo está diante de você.

- Mas está sempre escuro e eu sempre estou só... A não ser por essa voz que insiste em tentar. Antes ela tinha vida, gritava comigo todos os dias... Depois se tornaram sussurros fracos, mas que sempre me diziam para olhar para frente, mas ainda assim eu não via. Agora são gemidos, ela agoniza pedindo por socorro... Mas tudo ainda está escuro demais e eu não a vejo.

- Não sou terapeuta, e seu problema não é em sua cabeça. São seus olhos, você está quase cego... Talvez você devesse tentar ver isso tudo por uma nova lente.

Eles são cegos.

De toda a perfeição que os olhos não vêem...

Dos olhos vistos tão de perto naquele passado tão recente... Naquele seu sonho do qual foi despertado para esta outra vida. Ele via seu rosto enquanto adormecia. Lia tudo que acontecia através das linhas imaginárias que ele havia criado para aquele momento, enquanto ela oscilava entre o dever e o poder.

Aquele olhar funcionava como um moedor que rasgava e triturava cada pedaço do flagelo que sobrara do seu coração. Onde cada parte viva ainda teimava em bater silenciosamente tentando voltar à dormir.

Ela nunca chegara a ver tão de perto o que tudo seria. Não permitiria tamanha aproximação. Desde que ele havia visto tudo que aconteceria dali em diante, havia ficado cego às demais coisas que só confirmavam que tudo pode mudar... mas o que pode mudar, também pode reverter. Seus olhos ainda não vêem desde o dia em que se olharam... e eles ainda continuam cegos.

Do palco


"Ai meu coração, esse é o ônibus deles, ele está aqui."

Ela dizia enquanto entravam...

Essa poderia, de fato, não passar de mais uma frase das centenas de fãs que existiam daquele lugar, todas agitadas para ver o que para ela era incomumente natural dele. Tantos gritos e olhares como se existisse mesmo uma disputa, onde quem levasse o prêmio, levaria também a fama tão cobiçada.

Nem havia ido aquele lugar para isso, nem sabia que ele, seu pesadelo de cada dia que despertava, estaria lá para assombra-la. O que deveria ser apenas mais uma noite incomum de domingo se tornara algo muito mais sólido, onde cada um de seus movimentos seriam notados pela plateia estranhamente posta em cima do palco e pelo conhecido de sempre que lhe olhava sempre que acreditava no não flagrante.

Ela saíra do seu conforto. De que valeria aquela pulseira - que agora parecia até incomodar, apertando seu pulso, como se devesse mesmo não está ali - quando ela não a faria chegar mais perto dele?

Desceu escoltada pelas amigas que tentavam lhe dar força e fazer tudo aquilo parecer natural. Aguentaria o show, até ele acabar. Dançar, dançar, dançar... Mas nada se comparava ao que ele fazia tão consciente quanto alguém que apunhala pelas costas.

Já havia durado demais, era hora daquilo tudo acabar. Porém faltava aquela música de melodia tão conhecia. Ela não deveria ter feito parte daquele repertório, era lenta demais, caia bem demais. Mas mais uma vez ela foi pega de surpresa, a noite ainda não estava perdida, ela havia ganhado a semana, talvez o mês... o ano?

Ele nem deveria está cantando aquilo, tudo encaixava perfeitamente. Mas como se não bastasse ainda existia aquele outro amigo, aquele que sempre tenta entregar/estragar tudo. Estragar as tentativas de esquece-lo entregando para quem aquela música estava sendo cantada.

"Ahhh..."
As amigas gritavam juntas.

Aquilo foi sim um coração... e foi para ela.
 
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