Hipoteticamente

- “E se o céu fosse rosa?”

Tão fora da realidade quanto as coisas que ele dizia enquanto ela tentava não adsorver. Coisas que fluíam nos seus ouvidos tão sólidas quanto fumaça... Coisas que ele dizia enquanto ela sabia que devia mandar ele se calar.

Todo dia brincado como se tudo aquilo não fizesse nenhum sentido, como se ela não rezasse todos os dias para ele não chegar mais perto. Desculpas agora não iam adiantar, tarde demais, pensasse antes de dizer exatamente tudo o que ela queria escutar.

Dia sim, dia não alguma coisa lhe arrancava um pedaço da certeza que ela tinha semanas atrás de que tudo já estava tomando seu lugar de origem. Mas a origem do seu problema chegara com ar de amizade, como se quisesse mesmo esse tipo de vínculo. Aquele tipo de conversa não era natural, não para pessoas como eles, não agora.

- “E o que você quer afinal?”

Com algum direito - e alguns goles a mais - ele pede o que para ela soou como música. Mesmo que aquilo não fizesse sentido nenhum, -“porque isso tudo agora?”. E -“não, você não pode”, ele não tinha esse direito, e nem se seu motivo fosse mesmo convincente ela cumpriria, da mesma forma que agora quebra outra promessa - de que não escreveria - agora mesmo. Quantas vezes ela havia visto o que agora ele brincava de dizer que não queria ver? Quantas vezes ela ainda veria? Ela não havia decidido, algo havia sido empurrado para dentro sem sua permissão.

- “E se o peixe se apaixonasse pelo Pardal?”

Hipoteticamente falando...

Sonho de um anjo

Era mais uma manhã comum, o Sol brilhava ultrapassando o pára-brisas e esquentando seus dedos ao volante. Os carros se moviam lentamente pelas avenidas abarrotadas de motoristas impacientes com o transito incomumente lento, e pedestres apressados para mais um dia rotineiro de trabalho. Ela escutava as músicas de sempre, fechada em seu mundo enquanto olhava os rostos das pessoas que passavam pelo outro lado dos vidros escuros do seu carro. Alguns deles se viravam para procurar o que as demais pessoas estavam olhando.

Mais adiante, uma multidão estava reunida para ver o que atrapalhara o transito. Sem entender muito bem o que estava fazendo, ela também foi atraída pelo o que ocorrera. Saiu de seu carro, de seu mundo fechado, trancou as portas e sem se preocupar em dificultar ainda mais a passagem dos outros carros, ela caminhou de encontro ao que ela vira agora ao longe... Um acidente. Normalmente ela não sentia curiosidade em ver acidentes, porém desta vez algo lhe empurrava a obrigando a seguir até o local exato onde estariam os feridos. Não foi preciso caminhar muito para ver as marcas que o acidente causara à pista. As marcas de pneu mostravam que alguém havia tentado frear para evitar colidir com os demais carros. Logo a sua frente aparecia o resultado desta tentativa... A estrutura do carro havia sido totalmente danificada. “Capotamento”. Ela cochichou para si mesma. Não queria chegar mais perto, aquilo não podia ter acabado bem, mas alguma coisa ainda lhe impulsionava.

Com o estômago revirando de ansiedade e a embriaguez pelo cheiro forte do flúido derramado ao chão, ela seguia para o que agora vira perfeitamente: Entre o metal retorcido e muito óleo havia alguém. Um homem estava completamente imóvel em meio as ferragens, senão pelos seus olhos assustados que se moviam rapidamente sem entender o que acontecera, saltando entre os médicos que o socorriam e os curiosos que se perguntavam como ele sobrevivera. Bruscamente seu olhar foi paralisado por algo que ele vira agora. Seu rosto foi de susto à alívio tão rapidamente que ela se perguntou se mais alguém havia percebido aquilo. Alguma coisa próxima a ela chamava a atenção do homem acidentado. Ela se virou para procurar o que poderia ter tirado todo o terror de seu olhar e por em seu lugar tanta candura quanto ela vira agora, mas ao procurar ao seu redor, não vira nada de novo além da mesma multidão de curiosos que estava lá até mesmo antes dela.

- “Eu sabia que você viria, eu sonhei com você. Eu sonhei com este acidente... Eu sabia que meu anjo viria para me salvar. Você chegou.”

Ela agora estava paralisada pelas palavras do rapaz que estendia as mãos em sua direção, tentando segurá-la como se não quisesse que ela fosse embora dali. A força que havia lhe levado até lá de alguma forma agora fazia sentido e se tornara mais forte do que qualquer outro pensamento seu naquele momento. Ela precisava socorrer aquele homem mesmo que aquilo não passasse de uma vertigem. Ao segurar sua mão percebeu que ele estava bem, havia força em seu aperto, e em seus olhos uma necessidade que ela ficasse.

-“Deus está com você.” Foi a única coisa que ela conseguiu lhe falar.

Ela ficou ao lado do homem durante todo o processo de socorro dos bombeiros. Ele segurava sua mão como se sua vida dependesse daquilo e a olhava com a devoção de quem vira um anjo que realmente lhe tivesse salvado a vida. Ela o acompanhou na ambulância até o hospital, onde ela pretendia deixá-lo após ter certeza de que ele se recuperaria. Os médicos estavam assustado com o fato dele ainda estar vivo já que o carro havia capotado e as pancadas quase não haviam deixado um lugar intacto onde coubesse uma pessoa ilesa.

- “Foi Deus”. Comentava um dos médicos que estavam durante o socorro.

- “Não, foi um anjo.” Lhe respondera o outro.

Para lembrar...

   Sentada na grama, sob os raios fracos do Sol que se moviam numa dança lenta conduzida pelas copas das árvores, ela via o tempo passar num ritmo tão constate quanto a dor que cada pulsação do seu coração agora lhe causara. O ambiente lhe lembrava o primeiro beijo.

Tudo convergia com tanta naturalidade que ela sentiu inveja da grama que recebia as folhas já caducas de bom grado, abraçando-as num aperto gentil. Ela procurava uma explicação para sua dor. Procurava seu abraço. Tudo que vira até agora não parecia fazer sentido. Ele se fora sem cumprir a promessa de amá-la para sempre. O destino traiu sua fé, pondo ele agora abaixo de seus pés descalços.

Ela lembraria dele para sempre, aquele conhecido de infância que agora tinha um olhar congelado no passado, que havia levado consigo seu futuro e seu chão. Ela não sentia raiva da sua fé traída, sentia raiva do Sol que raiva todos os dias, do arco-íris que ela vira no dia em que ele se despediu... “Com pode tudo funcionar normalmente sem ele aqui?”. Ela dava boas-vindas à sua dor, a receberia de peito aberto se essa era a forma de saber que ele estava dentro dela de alguma forma.

Sentada aos pés da arvore, agora ela podia sentir a atmosfera mudar sua pressão. As folha rodopiavam com se soubessem que havia algo diferente no tempo, pareciam correr procurando um lugar seguro onde a chuva não as alcançassem. As primeiras gotas vieram tarde demais, seu rosto já estava lavado pela tristeza que suas lembranças felizes lhe trouxera. A nova temperatura levara suas lembranças pondo em seu lugar o frio mórbido da solidão.

Agora deitada na grama, ela se sentia mais perto dele. Ela lembraria para sempre do mar que se abria em seus olhos todos os dias pela manhã, das declarações ditas em forma de canção assistidas pelo auditório lotado... Dos piercings combinados, dos abraços proibidos nos corredores da escola. Lembraria da profecia dita de que tudo começaria com um “oi” como aconteceu.

Cada gota parecia ácido, corroendo e apagando suas lembranças, tornando cada vez mais difícil lembrar do rosto dele. Ela rezava baixo para que o tempo parasse ali, não queria que a dor passasse, pedia que ele não se tornasse apenas um sonho... Rezando e pedindo ela adormeceu sob a chuva grossa,sobre a grama molhada, suja da mesma terra que agora o tocava.

“Me chame quando o pesadelo acabar”.
 
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